A recente postura dos presidentes da Câmara e do Senado
Federal escancara uma ferida antiga, mas sempre dolorosa, na democracia
brasileira: a submissão do Parlamento aos próprios interesses e conveniências,
em detrimento da vontade popular e da missão constitucional que lhe foi
confiada. Quando as palavras de líderes eleitos indicam que certas pautas serão
barradas a priori, independentemente do apoio que possam ter dentro da própria
Casa, algo está profundamente errado.
A declaração do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é
particularmente grave: “Nem se tiver 81 assinaturas, ainda assim não pauto
impeachment de ministro do STF para votar”. Ao afirmar, com desdém, que se
recusaria a dar andamento a um pedido mesmo com a adesão unânime dos senadores
— o que representaria, na prática, a totalidade da Casa — Alcolumbre
desrespeita o rito constitucional e subverte o papel do Legislativo, que é
justamente deliberar, e não censurar preventivamente o debate.
Não se trata de defender ou atacar o ministro Alexandre
de Moraes. O centro da questão é institucional: cabe ao Senado apreciar pedidos
de impeachment contra membros do Supremo, não os enterrar por decisão
monocrática de seu presidente. Ao impedir o andamento de processos legítimos
por conveniência política ou corporativismo, Alcolumbre viola a independência
dos poderes e transforma o Senado em mero apêndice da cúpula do Judiciário —
uma negação de sua própria razão de ser.
Na Câmara, o presidente Hugo Motta também parece ignorar
a essência do cargo que ocupa. Embora afirme que a presidência da Casa é
“inegociável” e que não cede a pressões externas, sua declaração soa mais como
autodefesa do que como afirmação institucional. O Parlamento não é o presidente
da Câmara ou do Senado. É a coletividade dos representantes do povo. Se as
lideranças das Casas impedem o funcionamento pleno do colegiado — seja por
omissão, seja por manipulação da pauta — estamos diante de uma grave distorção
democrática.
Não se espera que o Congresso seja um carimbo automático
das vontades populares, mas sim um filtro democrático, que debata, aperfeiçoe e
delibere com responsabilidade. Mas quando seus presidentes se colocam como
donos do processo legislativo, rejeitando previamente discussões legítimas ou
blindando instituições da crítica e da fiscalização, o Congresso trai seu papel
e envergonha a nação.
É preciso lembrar: os presidentes das Casas não foram
eleitos para serem imperadores. Foram escolhidos para garantir o funcionamento
democrático do Legislativo. Quando se julgam acima das regras, do plenário e da
Constituição, eles colocam em risco não só o presente, mas o futuro
institucional do país.
A existência do Congresso só faz sentido se for para
servir ao povo — e não para proteger interesses pessoais, políticos ou
corporativos. Quando isso se perde, perde-se também a legitimidade. E a
democracia, fragilizada, paga o preço.
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