O presidente Jair Bolsonaro se refestelou neste 7 de setembro e tomou um banho de povo em Brasília e em São Paulo, onde encontrou seus apoiadores mais leais, que, aproveitando o feriado da Independência, rumaram às duas capitais para demonstrar seu apoio irrestrito ao mandatário. Centenas de milhares que ecoaram suas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e carregaram cartazes padronizados para incentivar uma intervenção para “enquadrar” o Judiciário.
Mas, fora das fotos e vídeos que vão irrigar os
canais de seus seguidores, a realidade é outra. O sucesso de seu discurso junto
a sua plateia foi inversamente proporcional ao impacto no mundo político.
Partidos começam a se mobilizar pelo impeachment. Assim disse o PSDB, e o MDB,
o Podemos e o PSD. Juntos, somam mais de 100 votos na Câmara de Deputados, e
ampliam o espectro que a esquerda monopolizava na atuação pelo afastamento do
presidente.
Já não era sem tempo, dizem observadores diante da
normalização de ataques do presidente às instituições democráticas desde que
assumiu o poder. Nesta terça, Bolsonaro atacou o ministro do STF Alexandre de
Moraes, renovou as desconfianças sobre voto eletrônico e até sugeriu que
haveria uma reunião do Conselho da República, um colegiado que poderia lhe dar
poderes para intervir na corte. “Ou o chefe desse Poder Luiz Fux enquadra o
seu ministro ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, discursou em Brasília. Em São Paulo, repetiu. “Ou Alexandre de
Moraes se enquadra ou ele pede para sair!”.
Mais grave foi mencionar o tal Conselho. “Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, para mostrar para onde nós todos devemos ir”.
Plantou uma expectativa aos seguidores
de garantir mais poderes, mas colheu ainda mais isolamento. A reunião não
existia, e sua sugestão foi vista como gravíssima. “Temos avaliações de alguns
importantes juristas apontando que apenas as falas, as manifestações, seriam
razões suficientes para justificar o processo. Vamos acompanhar a conduta do
Governo para determinar, ou não, a defesa e o apoio a um eventual processo de
impeachment do presidente da República”, afirmou em nota o presidente do PSD,
Gilberto Kassab. O governador tucano João Doria foi na mesma linha.
O calor das ruas entrou no cálculo político dos partidos que agora marcam distância do presidente. Embora as imagens de 11 quarteirões lotados da avenida Paulista e de uma Esplanada do Ministérios com milhares de pessoas em Brasília tenham impactado muita gente, o presidente falava em 2 milhões de pessoas em São Paulo, por exemplo. O número parece não ter chegado a 10% dessa marca.
“É lamentável o presidente da República usar o Dia da Independência para afrontar os outros Poderes. Parece tentar se desviar dos problemas reais: inflação de alimentos, combustíveis, crise fiscal, hídrica, desemprego e baixo crescimento”, criticou em nota o MDB. “Essas ameaças de tom golpista tentam demonstrar força, mas, ao contrário, só revelam a fraqueza e o desequilíbrio de quem as faz.
Mostram desprezo às leis e à Constituição. Tentam provocar o caos
para tirar o foco dos reais problemas do país e da total incapacidade de
resolvê-los”, afirmou o governador petista do Ceará, Camilo Santana, pelo
Twitter.
No discurso de São Paulo, Bolsonaro pisou em um calo do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), justamente aquele responsável por
acolher os pedidos de impeachment contra o presidente. “Não podemos admitir um
sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições”,
discursou Bolsonaro, para o delírio da plateia, retomando suas críticas à urna
eletrônica, que Lira imaginava ter sepultado quando o plenário da Câmara rejeitou a adoção do voto impresso, em agosto. “Bolsonaro me
garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu confio na palavra do
presidente da República ao presidente da Câmara”, disse Lira à época. A
conferir o que dirá agora.
Policiais
Outro fator pesou nas análises políticas nesta terça. Não
houve uma réplica da invasão do Capitólio, como temido por autoridades políticas de
outros países em manifesto publicado nesta segunda, 6. Nem o derramamento de
sangue diante do acampamento indígena e dos protestos de opositores marcados para este dia 7. A
participação de policiais, que poderia abrir espaço para atos violentos, também não se confirmou.
Governadores se prepararam. A Bahia, por exemplo, que vivenciou, em março deste
ano, o risco de um motim de PMs, após o soldado Wesley Soares ser morto por
colegas da PM em Salvador, teve uma operação especial comandada pela Secretaria
de Segurança Pública. O mesmo em São Paulo, governado pelo arquirrival do
presidente, João Doria.
O mais próximo que se viu de uma adesão dos policiais aos
atos foi a frouxidão do efetivo no Distrito Federal na noite de segunda-feira,
quando os manifestantes forçaram a entrada na Esplanada dos Ministérios. A Secretaria
de Segurança do Distrito Federal se defendeu, dizendo que os bolsonaristas
descumpriram um acordo prévio e “romperam barreiras de contenção colocadas para
bloquear o trânsito de veículos”. De qualquer forma, os apoiadores do
presidente foram mantidos a quilômetros de distância dos prédios do Congresso
Nacional e do STF, que muitos deles insistiam em dizer que pretendiam invadir.
E não houve registro de tumultos consideráveis, muito menos da presença de
armas de fogo.
É fato, porém, que as imagens desta terça-feira,
principalmente as registradas em Brasília e São Paulo, sustentarão a moral das
hostes bolsonaristas por meses, provavelmente até sua tentativa de reeleição,
em 2022. Na versão dos defensores do presidente, nenhum de seus antecessores no
Palácio do Planalto colheu nas ruas uma manifestação tão significativa quanto a
desta terça-feira. “A oposição e parte da imprensa estão bancando o Groucho
Marx mais uma vez e mandando um ‘Afinal, vocês vão acreditar em mim ou nos seus
próprios olhos?’ para os brasileiros que viram as imagens de multidões
gigantescas e sem precedentes em Brasília, em SP, no RJ e em todo o país”,
escreveu em seu perfil no Twitter o assessor especial para Assuntos
Internacionais da Presidência, Filipe Martins. A questão que se impõe, contudo,
é se, grande ou pequeno, esse apoio demonstrado nas ruas será o bastante para
sustentar o isolamento que Bolsonaro cava progressivamente em Brasília. Por
ora, o saldo dos atos da terça-feira foi muito menor do que o presidente
esperava.
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