Um dos dramas que vivemos nos dias de hoje é o de termos
um avassalador volume de informações, sempre sujeito ao risco de se estar
diante de uma versão dada por quem passa a notícia seja pelos meios de comunicação
clássicos, seja por mídias sociais ou qualquer outro canal, com base na opinião
pessoal, traduzindo a própria versão, se o fato ocorreu, ou criando de forma
imaginária, uma situação inexistente.
Para os meios de comunicação social esse fenômeno é um desastre, mas quando passa para o campo do direito e de um processo que venha a ser instaurado na justiça, transforma-se em uma verdadeira catástrofe. Isso porque o processo deve lidar com o fato, a prova e o máximo de veracidade possível, pois ali estão em jogo direitos e interesses caros ao ser humano como a liberdade, a vida, o patrimônio, os sentimentos, a dignidade, a personalidade, a reputação e outros tantos valores que fazem parte da idiossincrasia da pessoa.
É comum atualmente na atividade jurisdicional (meio de solução dos conflitos), fugir-se tanto do fato como do próprio direito a se aplicar, o que chega a causar constantes e reiteradas perplexidades. Essa constatação tornou-se uma catilinária no meio dos profissionais do direito, especialmente entre os advogados que estão na linha de frente dessa batalha diária.
A rejeição em se aplicar o direito vigente e muitas das vezes fugir dos fatos ou dar outra versão aos mesmos, está sendo uma constante, o que retrata um reflexo daquilo que se vê no cotidiano nas mais diversas áreas de nossas atividades.
Os debates que ocorrem na área jurídica são reveladores dessa assertiva. É bastante que se passe um visto nas lives ocorridas, quase que diariamente, e nos trabalhos e artigos que são escritos pelos profissionais do direito. A propósito, Otávio Amaral Calvet, Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro, escreveu artigo no CONJUR, em 17 de novembro de 2020, e de forma irônica, intitulou "Desculpe-me, eu cumpri a lei...". Ou seja, normal é se negar o direito posto. Buscar uma forma de fugir da regra jurídica. Seguir o pensamento e a vontade do autor da decisão.
Essa postura de boa parcela do Judiciário produz reflexos psíquicos e psicossociais junto a coletividade de forma devastadora. A confiança e credibilidade, naquilo que se tem como relevante em uma sociedade, que é a justiça, seja como órgão de solução dos conflitos, seja em sua essência como valor filosófico, ficam totalmente destruídas. Daí surge a revolta, a indignação, a frustração, a insegurança, a instabilidade e o desapego a crença, em tudo.
O que leva a essa metamorfose mental da humanidade? O tema merece estudos dos especialistas. No âmbito da atividade jurisdicional, o grande jurista e filósofo Luigi Ferrajoli, escreveu importante texto publicado e traduzido na revista eletrônica CONJUR, do dia 24 de abril de 2021, sobre "as 10 regras da ética judicial resultantes da natureza cognitiva" todas imprescindíveis a uma deontologia do magistrado. Mas destaco aqui duas delas dado o reduzido espaço que nos é permitido: a primeira, "a rejeição do criacionismo judicial". E como ele próprio afirma, "a última coisa que se precisa é... a anulação da separação de poderes, o declínio do princípio da legalidade e a transformação da subordinação dos juízes à lei em supra ordenação". A segunda, "os juízes não devem buscar o consentimento da opinião pública, mas apenas a confiança das partes do processo", porque "o magistrado não deve pedir o consentimento da opinião pública: pelo contrário, um juiz deve poder, com base no correto conhecimento dos atos do julgamento, absolver quando todos pedirem a condenação e condenar quanto todos pedirem a absolvição".
Encontrei nesse trabalho um certo conforto espiritual, pois há muitos anos como Professor apregoo em minhas aulas que o profissional, especialmente o juiz, deve agir com um mínimo ético. Pois bem, esse mínimo ético pode ser buscado nesse (que eu chamo de) decálogo deontológico do magistrado.
É preciso, de uma vez por todas, que o Judiciário entenda que negando-se aplicação ao direito vigente e criando-se uma regra para cada caso julgado, não vai adquirir a confiança e o respeito da sociedade que uma instituição de sua magnitude merece.
Por Francisco Barros Dias - Prof. da UFRN/Tribuna do Norte
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