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Discurso de Moro alimenta hipótese de crime de responsabilidade de Bolsonaro

As declarações de Sérgio Moro na demissão do Ministério da Justiça alimentaram a ideia de impeachment de Jair Bolsonaro, assunto crescente em Brasília. O ex-juiz contou que Bolsonaro quer pôr uma pessoa de sua confiança no comando da Polícia Federal (PF) por ter interesse em inquéritos existentes no Supremo Tribunal Federal (STF) e em relatórios de inteligência.

Para Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça e ex-subprocurador-geral da República, o relato de Moro aponta crime de responsabilidade de Bolsonaro. “Uso político da PF enquanto polícia judiciária é atentar contra a independência do Poder Judiciário”, disse a CartaCapital.

Esse tipo de “atentado” é descrito como crime de responsabilidade presidencial no artigo 85 da Constituição e no artigo 4o da Lei do Impeachment, a 1.079, de 1950. Ambas apontam ser crime ir contra “o livre exercício do Judiciário”. A PF é a polícia que cumpre ordens de tribunais federais, como mandados busca e apreensão. Por isso, é “judiciária”.

O STF tem um inquérito sigiloso sobre ameaças e fake news contra a corte que é do interesse do presidente saber como evolui. Estão na mira milícias digitais e empresários que as financiam. O principal investigador nesse inquérito é um delegado da PF, Alberto Ferreira Neto, que segue as ordens do juiz do caso, Alexandre de Moraes.

O tribunal acaba de abrir um novo inquérito que também ficará com Moraes e é de interesse do presidente. Será uma apuração sobre a manifestação pró-golpe militar e ditadura de que participou o Bolsonaro em 19 de abril. Quem organizou e bancou o ato? É o que a investigação dirá, e haverá alguém da PF a participar dela.

Para Aragão, Moro confessou também ele ter cometido um crime. O ex-juiz revelou que, ao aceitar o cargo de ministro, pediu uma espécie de pensão para a esposa, Rosângela, caso acontecesse algo com a vida dele. E que a oferta foi aceita pela equipe de Bolsonaro. “Estelionato”, afirmou Aragão.

Estelionato é descrito no artigo 171 do Código Penal assim: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. É punido com prisão de um a cinco anos.

Aprovado em primeiro lugar no concurso de juiz federal no qual Moro também passou, o ex-juiz Flavio Dino, governador do Maranhão pelo PCdoB, concorda que o ex-ministro confessou uma “ilegalidade”. E que agora há elementos novos em defesa do impeachment de Bolsonaro. Para ele, o presidente de fato atentou contra o Judiciário.

“O depoimento de Moro sobre aparelhamento político da Polícia Federal como base para o ato de exoneração do delegado Valeixo constitui forte prova em um processo de impeachment”, tuitou ele. “Moro está para Bolsonaro como o Fiat Elba esteve para Collor. A prova que faltava. Agora não falta mais.”

Mauricio Valeixo foi demitido do comando da PF por Bolsonaro horas antes de Moro demitir-se. Na cassação do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, o aparecimento de uma Elba foi decisivo. Usado por Collor, o carro havia sido comprado com dinheiro sujo do tesoureiro de campanha do então presidente. Paulo Cesar Farias, o PC Farias.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, viu “indícios de crimes apontados por Moro” contra Bolsonaro. Segundo ele, a entidade vai examinar o caso. Santa Cruz tem dito que, quando baixar a poeira da pandemia de coronavírus, a OAB mergulhará na discussão do tema “impeachment” de Bolsonaro.

Professor de Direito Constitucional, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que foi relator da reforma da Previdência proposta e aprovada por Bolsonaro em 2019, também acha que o discurso de Moro complicou juridicamente o presidente. Vê tentativa de obstrução da Justiça, crime do qual Michel Temer foi acusado durante o mandato de presidente e que quase levou à  sua cassação.

“É muito grave a informação de que o presidente muda o diretor geral da PF por interesses em inquéritos. O chefe do Executivo obstruir e interferir em inquéritos é crime”, tuitou Ramos. Para ele, Moro “fez uma delação premiada” e haverá agora uma “crise política e institucional”.

A líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchiona (RS), mandou uma representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, com um pedido para que abra uma investigação contra Bolsonaro. Só Aras pode acusar o presidente na Justiça por crime comum. Foi a Procuradoria que denunciou Temer por obstrução da Justiça em 2017.

Na representação, a deputada requer ainda que “diante dos graves indícios de ocultamento e destruição de provas que o presidente pretende realizar”, a Procuradoria “determine, imediatamente, a busca e apreensão de todas as provas e indícios nas investigações em curso que envolvam o Presidente e seus aliados, com o objetivo de interromper o processo de destruição de provas, conforme determina o art. 282 do Código de Processo Penal”.

Será que a crise potencial antevista por Marcelo Ramos influenciará decisões sobre impeachment que estão por ser tomadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo decano do Supremo, Celso de Mello?

O juiz acaba de pedir ao deputado que em dez dias se manifeste sobre um dos vários pedidos de cassação de Bolsonaro que chegaram à Câmara. Mello tomou essa providência em um mandado de segurança levado ao STF contra a omissão de Maia em se pronunciar a respeito.

Fonte: Carta Capital.


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