Olho D'água do Borges/RN -

Texto do Professor Adaecio Lopes - O que as borboletas não sabem


O pensador alemão Peter Sloterdijk dá um diagnóstico certeiro sobre o atual estado de espírito das massas na banda ocidental da terra: “os partidos políticos não conseguem mais dar vasão ao ódio social”. 

Se há uma função importante na política é a de evitar a guerra. Sempre que as instituições e os mecanismos que dão conta das práticas políticas em uma sociedade entram em decadência o diálogo sucumbe e a violência se torna uma perspectiva real.

Se há algo, nesse inverno potiguar de 2011 que as borboletas não sabem (a julgar pelas últimas entrevistas da prefeita de Natal) é que Peter Sloterdijk muito provavelmente está certo. E mais certo ele estaria se conhecesse a fundo o Rio Grande do Norte.

Parece que as borboletas não sabem que, nesse Estado, vivemos um desconcertante paradoxo. Nós assumimos com voracidade uma moral capitalista, mas continuamos, espantosamente, a manter as velhas instituições da política aristocrática. Continuamos atrelados a um modelo antigo, arcaico, rural e familiar de poder. Um modelo no qual as instituições políticas, jurídicas e econômicas, vinculadas por misteriosas interconexões genealógicas, se fundem sob o pano de fundo de uma casta que mantém vivo o nauseante absurdo de termos aceitando uma economia de mercado, mantendo uma política feudal.

Essas borboletas não entendem que existe uma estranha náusea perpassando nossas instituições políticas. Uma náusea que tem a ver com a percepção da contradição, que monta um discurso de liberdade, justiça e isonomia para esconder tradicionais práticas de exclusão e de distanciamento das ruas que marcavam as velhas monarquias do antigo regime.

Ali estão os homens da lei, com seus diplomas. Estão os netos dos velhos fazendeiros do couro e do algodão, os filhos dos antigos comerciantes das cidades do interior que controlavam à bala, no tempo de Jesuíno Brilhante, a política desses sertões. Ali está a imprensa, com seus compromissos, suas conexões, suas dependências. Ali estão os representantes do povo, eleitos por trás das bandeiras dos velhos partidos, símbolos mortos que hoje perdem cada vez mais seu significado, incapazes de desmascarar a náusea de um Estado que sabe, não ser aquilo que dizem que ele é.

As borboletas não sabem, mas em algum lugar está o povo (essa abstração sem forma que o romantismo alemão inventou) observando o cenário com sua letargia cotidiana, com seu rancor histórico concentrado, com sua fome de justiça entorpecida pela novidade do consumo, que chega as classes mais baixas do abecedário.

O povo: esse detalhe, que não acredita mais nas instituições.

Eles sabem que essas instituições não os representam. Que elas não mais conseguem ser porta vozes de suas demandas. As ruas já sabem há muito tempo, da estranha náusea moral que esse regime tenta esconder.

Talvez, apenas as borboletas não saibam, mas o movimento #ForaMicarla não nasceu de uma rixa pessoal, de uma antipatia política particular ou de uma manobra tradicional dos mesmos velhos senhores feudais de nossa terra. Ele já estava guardado em potência, por muito tempo, antes mesmo da eleição de 2008, nas entrelinhas cotidianas dessas massas de anônimos que se apertam entre porres de cachaça, forró e futebol, zonzos com o milenarismo eletrônico das seitas pós-modernas e com a loucura consumista desses tempos fraturados.

Retido, no coração do povo potiguar.
Nós sabemos.

Sim, nós sabemos, mesmo que intuitivamente, desses paradoxos.

Sentimos essa náusea, que é um pouco a náusea de outros brasileiros, que é um pouco a desesperança desses anos em que a utopia foi enterrada na cova rasa do pragmatismo político.

Por isso, por favor, não mexam no que sobrou desse velho desejo de mudança. Não fechem as portas para que o que resta de nossas crenças políticas. Não permitam que nossos nacos de utopia venham a padecer no balcão das negociações eleitorais.

Porque quando a política morre, o que sobra é a guerra, e na guerra, ninguém, nem os servos nem os senhores, são felizes.

Sloterdijk, o velho pensador alemão, conterrâneo de Marx, Hegel e Heidegger foi perguntado pela entrevistadora estrangeira: “o senhor na revolução?”.

Ele respondeu: “a vida é uma permanente revolução”.

Isto, com certeza, as borboletas não sabem.
 
Ao menos em Natal.

Professor Adaecio Lopes


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